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Desafios da comunicação de esquerda com as tecnologias e as redes sociais

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* Por Cláudio Mota

Recentemente, atividades importantes mobilizaram dirigentes sindicais e partidários ligados ao PCdoB: o 4º Encontro Nacional de Comunicação da CTB e o Encontro Estadual de Comunicação do PCdoB. Teve ainda o seminário do Instituto Barão de Itararé, com participação de lideranças de diversas forças políticas. Em debate, os desafios da comunicação nas organizações de esquerda diante de um cenário complexo, após a derrota da extrema direita (que ainda mostra sua força) e a volta de Lula à Presidência. Além da força das novas tecnologias, especialmente da internet e das redes sociais.

As reflexões aqui partem do entendimento sobre a diferença entre a comunicação feita por organizações de esquerda e a comunicação em geral. Mesmo com diferentes papéis na luta política, sindicatos, organizações sociais e partidos desse campo possuem a mesma linha de ação: organizar pessoas para resolver os problemas que lhes prejudicam e construir uma visão crítica para a transformação da sociedade capitalista (base desses problemas), para uma sociedade mais justa, a socialista.

Essa é a utopia de quem nasce nas classes mais pobres e de quem entra na luta social, e que procuramos realizar cotidianamente. Aqui, o primeiro desafio da nossa comunicação: ela tem que ajudar a entender e a transformar realidades. Ela não só informa sobre um fato. Ela mostra as contradições desse fato e aponta caminhos. Dirigentes e profissionais do setor devem se perguntar, sempre: o conteúdo que está sendo produzido (um post, uma matéria, um vídeo, um card) está cumprindo essa tarefa? Está em sintonia com o pensamento classista, de esquerda? A tarefa mais importante do nosso campo, atualmente, é política: ajudar a fortalecer a luta pela democratização dos meios de comunicação e pela regulação das redes sociais, garantindo liberdade de expressão com responsabilidade.

Falar para a classe trabalhadora e para o conjunto da sociedade, visando compreender sua realidade difícil e transformá-la, é um debate antigo, que sempre produziu inquietações e reflexões. Na primeira Revolução Industrial (entre 1760 e 1840), com a passagem da produção manual para produção com máquinas a vapor, os ludistas quebraram as novas máquinas para protestar contra as más condições de trabalho e a jornada de trabalho excessiva. E, também, por não terem muito clareza do que estava acontecendo. Desde então, nossas lideranças quebram a cabeça para entender as causas e os efeitos dos fenômenos tecnológicos.

“EU VEJO O FUTURO REPETIR O PASSADO”

Cada revolução industrial produziu novas tecnologias, que impactaram a vida dos trabalhadores e da sociedade, além de mudarem a percepção humana sobre a realidade em cada momento histórico. Em que pese as diferenças nos efeitos que geraram, tiveram a mesma essência: ampliou lucros e reduziu custos para os empresários, enquanto a classe trabalhadora teve mais trabalho (podendo trabalhar menos) e precarização da vida. É o que confirma o Século 21, quando vemos grande e intensa inovação tecnológica (que deveria ajudar a melhorar a vida das pessoas), em contraste com a concentração da riqueza e o aumento da pobreza.

As imagens aqui resumem a crueldade do capitalismo atual. Um entregador de aplicativo carrega nas costas uma marca mundial bilionária (provavelmente do iFood), com sua própria bicicleta e de sandália. Um motorista de UBER, que trabalha com seu próprio carro, ou alugado em uma locadora. É o capital explorando o trabalho, que oferece a própria ferramenta para ser explorado. Nos dois casos, não possuem direitos e se tiverem qualquer acidente, não têm proteção alguma das empresas. A UBER tem valor de mercado de 80,41 bilhões de dólares (R$ 402 bilhões, com valor médio do dólar a R$ 5,00). Tem a maior frota de carros sem ser dona de qualquer veículo. O iFood vale 5,4 bilhões de dólares (R$ 27 bilhões). Essas empresas sofisticam a exploração chamando essas pessoas de “empreendedoras”, que passam a se achar diferente dos trabalhadores com carteira assinada. Resultado: as duas categorias tiveram que se organizar em entidades de classe, como sempre, desde o Século 18. É o futuro repetindo o passado, disse o visionário Cazuza na década de 1980.

E o desafio da luta ficou ainda maior após a pesquisa do Datafolha: 75% dos trabalhadores por aplicativos disseram preferir manter a autonomia em vez de ter vínculo trabalhista pela CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas). O estudo “Futuro do Trabalho por Aplicativo” ouviu 1.000 entregadores e 1.800 motoristas entre janeiro e março de 2023.

Nesse caso, mais um desafio da comunicação de esquerda: destacar a importância das novas tecnologias (afinal, elas são fruto da inteligência e do trabalho humanos, explorados em dimensões e formas diferentes). Mas, tem que dissecar o seu funcionamento, revelando os efeitos negativos na vida da maioria da população e as contradições geradas (mais trabalho e menos direitos para a maioria X mais riqueza para uma minoria), por exemplo. Tem que produzir reflexões críticas apontando para uma sociedade em que novas tecnologias podem ser melhor aproveitadas pela humanidade e o mercado não seja o “senhor”, mas os interesses coletivos.

APERTANDO A MENTE: ASPECTOS COGNITIVOS

O saudoso geógrafo Milton Santos disse uma vez, durante um programa de TV, que “a velocidade das coisas no mundo atual nos impedia de contemplar as belezas da vida”. De fato, as novas tecnologias deste século, especialmente a internet e as redes sociais, mudaram a percepção sobre tempo, espaço e a realidade. Elas sempre produziram mudanças em todos os campos da vida (política, economia, trabalho, sociedade, comportamento). Mas, tudo começa no aspecto cognitivo das pessoas.

Pesquisas desenvolvidas pela Universidade da Califórnia (EUA) mostram que as tecnologias estão mudando o cérebro humano, alterando memória, aprendizagem, atenção, concentração, criatividade e relevância. Há 15 anos, a capacidade média de concentração das pessoas expostas à tecnologia era de 12 segundos. Hoje, diminuiu para 8, nos tornando mais seletivos e nos concentramos apenas em algo relevante para nós, o que nos deixa sem concentrar em algo muito importante.

A internet e as redes nos condicionaram a ter que dar respostas rápidas, o que deixou as pessoas sem paciência para questões importantes. Se nossa principal missão é organizar a sociedade para entender e mudar fenômenos complexos, essa exigência de velocidade está prejudicando o pensar, o planejar e o agir estratégicos. A luta por transformações sempre foi complexa e não é possível querer resolver questões complexas com soluções simplificadas que a lógica da Internet e das redes apontam.

Podemos ver lideranças sem paciência para reuniões e outros compromissos presenciais e, quando em eventos digitais, estão muito dispersas, combinando até duas atividades (afinal, a tecnologia permite).  Isso tem a ver com a ação política e, também, com o trabalho de comunicação. Como pensar e planejar estrategicamente nessa velocidade? Claro que temos que fazer a guerra de guerrilha (tese de Che Guevara na Revolução Cubana). Mas, é imprescindível vencer mais esse desafio: guerrear (e bem) e desenvolver pensamentos estratégicos, o que exige maior atenção para antecipar futuros. Mais um desafio: ter uma equipe para fazer a guerrilha cotidiana e ter o tempo e/ou pessoas para pensar estrategicamente.

ARMADILHAS EM REDE

Uma coisa importante que a publicidade ensina é que, para fazer uma boa comunicação sobre um produto (serviço ou ideia), é preciso dissecar esse produto, entender como funciona, suas características e quais benefícios garante às pessoas. Além de entender o perfil e as características do “cliente” que se atende, e do público-alvo que se quer atingir com a propaganda que será desenvolvida.

Isso ajuda em outro desafio da nossa comunicação: dissecar a lógica de funcionamento das redes sociais. Primeiro, as pessoas têm expectativas diferentes sobre os conteúdos postados nas redes. Cada segmento social (ou bolhas) tem seus anseios, necessidades e sonhos. No mundo digital, buscam realizar isso, ou, pelo menos, se inspirar para realizar.

Em perfis de artistas, esportistas e personalidades fora da política, o público busca a leveza de informações e satisfazer as curiosidades sobre a vida dessas pessoas. Já vimos grandes influenciadores e influenciadoras digitais perderem milhões de seguidores por terem entrado no debate político. Quanto aos perfis políticos, são mais restritos a quem é militante, dirigente ou pessoas que despertam para a luta política nos movimentos sociais. O público quer ver seriedade, coerência, opiniões sobre as polêmicas políticas e indicações de caminhos para superar os problemas políticos, econômicos e sociais que enfrentam.

Aqui entra algo que precisa de finanças: pesquisa. As grandes empresas trabalham constantemente com pesquisas quantitativas e, especialmente, qualitativas, para entender o que as pessoas estão pensando e desejando em determinado momento da vida. As redes também fazem isso e gastam menos, pois cada clique do internauta em um post ou card já diz que tipo de conteúdo se quer consumir. Quando você se interessa por algum tema e clica, imediatamente aparecem sugestões desses mesmos conteúdos.

Por outro lado, as organizações de esquerda (partidos, sindicatos, ONGs e outras) raramente fazem pesquisas em suas áreas de atuação para ver como andam as expectativas dos seus públicos. Como falar bem para sua “bolha” sem saber o que ela pensa? Começa-se, então, a fazer (por fazer) o que está “bombando” nas redes.

É diferente fazer comunicação para organizações de esquerda (máquinas de fazer luta) e para qualquer outro tipo de organização, artistas, esportistas e outras personalidades. Um profissional que for contratado, ao mesmo tempo, por uma igreja católica e por uma igreja evangélica terá como base para produzir conteúdos a Bíblia e os ensinamentos cristãos. Mas, eles são interpretados de forma diferente por cada uma dessas organizações. Isso indica que não se pode fazer o mesmo tipo de comunicação para “clientes” que atuam no mesmo segmento, mas pensam diferente e têm públicos diferentes.

As redes passam a ideia ilusória de que democratiza opiniões e aproxima pessoas. Mas, o que se observa é que elas produzem a atomização e o espalhamento das ideias e do pensamento (afinal, não se pode deixar focar em nada, principalmente se o foco é transformar a realidade atual). Além disso, o algoritmo confina as pessoas em tribos (ou bolhas como queiram), impedindo o enriquecimento de ideias a partir das diferenças, mesmo em um mesmo campo de pensamento.

Em seu artigo “A internet virou o demônio da vez”, o filósofo Paulo Ghiraldelli (bacharel em filosofia pela Mackenzie, mestre e doutor em filosofia pela USP e mestre e doutor em filosofia e história da educação pela PUC-SP e pós-doutor em Medicina Social pela UERJ) refletiu sobre isso. “A internet funciona por Inteligência Artificial e conjunto de algoritmos. As máquinas produzem símbolos de todo tipo, em profusão. Todavia, não exige do humano que este amplie os significados para se relacionar com a maquinaria, mas, ao contrário, empurra o humano para a execução de ordens sem precisar compreendê-las. A redução da riqueza da linguagem é a base dessa interação”, disse.

Se esse cenário é ruim para a luta da esquerda por transformações, não podemos concluir que devemos deixar as redes. Só reforça a ideia de outro desafio:  tecnologias e redes sociais são ferramentas para ajudar a organização nas bases e a ação políticas das nossas entidades e dos nossos dirigentes. Se visão política estiver afiada, tudo isso será melhor digerido e direcionado.

SE DIFERENCIAR NA MESMICE

Outra característica das redes é a padronização. Além do controle da produção e distribuição dos conteúdos pelos algoritmos, nelas há a construção de padrões, modelos e estilos que dificultam uma ação transformadora do cenário real. Esse é um problema para quem faz luta política, que precisa do fazer diferente. Como é o caso da comunicação de esquerda.

No cenário de poluição de informações e mensagens, dentro da padronização imposta pelas plataformas, temos que pensar e fazer o diferente. Vem à memória as últimas eleições em que era permitido o uso de outdoors. Em uma das principais avenidas de Salvador, 5 placas de candidatos naquele padrão: fotos grandes das pessoas, slogan, números, coligação e super coloridas. Mas, quem chamou atenção foi uma placa em preto e branco, bem no meio das outras. Não eram fotos em p&b, mas desenhos estilizados com traços dos candidatos (Lídice da Mata e Domingos Leonelli) e letras diferentes.

No mundo atual há uma poluição de comunicação. As pessoas são bombardeadas por milhões de informações diariamente. Nunca se teve acesso a uma quantidade tão grande de informações via televisões, rádios, sites, redes sociais e podcasts. Matéria publicada pelo portal UOL (20/11/20) mostra que esse tema “é objeto de pesquisa de estudiosos. O físico espanhol Alfons Cornellá cunhou o neologismo ‘infoxicação’ (mistura de informação com intoxicação). O psicólogo britânico David Lewis criou o termo ‘síndrome da fadiga informativa’, para nomear as reações de ansiedade, paralisação e dúvidas que surgem quando nos vemos diante de tantos estímulos que não damos conta de processar”.

“O excesso de informações de conteúdo emocional muito impactante gera um estresse e a pessoa tem uma reação em cadeia em resposta a isso. O nível de cortisol é elevado e o corpo responde. Pode ter uma descarga de adrenalina relacionada a isso, mesmo que pequena”, explicou Natalia Mota, neurocientista da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte).

Por isso, outro desafio da comunicação das nossas organizações é se diferenciar nessa poluição texto-áudio-visual. Temos que condicionar nosso cérebro a pensar sempre diferente e fazer diferente dentro das imposições de formatos.

O DIGITAL E A LUTA POLÍTICA

Quando terminaram as eleições presidenciais de 2018, uma tese muito difundida foi a de que eles ganharam porque usaram melhor as redes sociais e fizeram um excelente trabalho de comunicação (Carluxo, que comandava as redes do pai, foi enxotado). Então quer dizer que, em 2022, eles desaprenderam e a esquerda aprendeu, passou a fazer melhor comunicação e trabalhar bem nas redes sociais? Não! Porque antes da comunicação vem a política e a economia. Dilma foi retirada do poder porque seu governo estava isolada politicamente no Congresso Nacional e porque a economia não reagia e não resolvia os problemas que afetavam a população.

Com toda a crise que se abateu sobre o PT, Bolsonaro venceu apertado em 2018. Mesmo no “olho do furacão”, Fernando Haddad foi ao segundo turno. Seguramente, o legado (político, econômico e social) construído pelo Partido dos Trabalhadores (com todos os problemas que vêm junto) deu uma consistência ao projeto que fez a legenda voltar ao poder central do País com Lula. Mais uma vez, os elementos que determinaram a vitória maiúscula do campo democrático foram políticos (o melhor candidato, aliança ampla e vitórias importantes do nosso campo nos EUA, Europa e América Latina X direita com problemas e uma gestão desastrosa) e econômicos (economia ruim para a maioria do povo). Isso diante de um cenário de muita força ainda da extrema direita e do uso da máquina do Estado.

Tem outro elemento importante que, também, se relaciona com a luta política. Existe um movimento geral que conduz outros movimentos menores. Quando Lula ganhou em 2002, gerou esse movimento à esquerda, influenciando outras vitórias desse campo na América Latina. Depois, esse movimento virou à direita, em nosso continente, Europa e EUA. Muitos governos do campo democrático foram derrotados ou golpeados. No momento histórico mais recente, esse movimento voltou a ter ventos à esquerda no mundo, ajudando na vitória de projetos capitaneados pela esquerda em muitos países.

Resumindo: se a direita estiver no poder e o movimento estiver mais à direita, por mais que a esquerda tenha um excelente candidato, bom discurso, bom projeto e boa comunicação, dificilmente ganhará a eleição. Só ganha, neste caso, se acontecer um fato impactante para mudar o quadro. O contrário também é verdadeiro se for a esquerda que estiver no poder e esse movimento estiver à esquerda.

ALGO TERRÍVEL: O ALGORITMO 

Nas eleições para presidente dos EUA, em 2021, o dono da Meta (Facebook, Instagram e WhatsApp), Mark Zuckerberg, declarou que apoiava Donald Trump, pois era conservador. E que o Facebook, também, era conservador. Isso já define a essência ideológica da plataforma, que direciona todo o seu funcionamento.

Uma reportagem do Wall Street Journal (16/10/20) mostrou que “o Facebook tem feito de tudo para que seus algoritmos priorizem conteúdos conservadores e de direita na plataforma, ao mesmo tempo que prejudica o viés contrário, de esquerda”. A matéria afirma que “isso vinha desde 2017, quando os engenheiros da empresa foram orientados a projetar um algoritmo para impactar de maneira desproporcional os veículos de esquerda, sufocando efetivamente o tráfego desses canais”. Depois, uma denúncia do Buzzfeed News detalhou como “um funcionário do Facebook foi supostamente demitido após coletar evidências de que a empresa deu tratamento preferencial a páginas de direita”.

Pode-se ver que quem comanda as postagens são os algoritmos, conduzidos pelos engenheiros da empresa. Alguém tem dúvida de que perfis dos principais políticos, entidades e organizações são monitorados e seus conteúdos controlados? Se é o algoritmo que define o que entregar, conteúdos de esquerda chegarão a quem o comando do processo quiser que chegue. Mesmo com impulsionamento pago! Passou-se a falsa ideia de que as redes sociais seriam a possibilidade “democrática” para quem não tinha espaço na grande imprensa de expor opiniões e se contrapor às manipulações dos grandes veículos.

Em 2021, Mark Zuckerberg disse que “as pessoas não querem que conteúdo político prevaleça em seus feeds de notícias”. “Nosso primeiro passo será reduzir temporariamente a distribuição de conteúdo político no feed de notícias para uma pequena porcentagem de pessoas”, afirmou. Em 2022, a nova ação foi reduzir o peso de comentários e compartilhamentos para distribuição de conteúdo político no ranqueamento do algoritmo. Usuários que testaram a intervenção disseram que “viram menos conteúdos em seus feeds que não consideravam valiosos”, segundo o Teconoblog.

Se é verdade que as redes encurtaram distâncias entre as pessoas, estudos sobre saúde mental revelam a preocupação com o isolamento que elas, também, causam. No campo da luta política, que exige ações coletivas, vemos um peso maior ao digital sendo dado pelas organizações de esquerda. Lideranças mobilizam pessoas com cards e postagens sobre um importante ato, mas muitos desses não aparecem lá.

Aqui, mais dois desafios se colocam: usar as plataformas e suas ferramentas com a nossa linha política e melhorar muito o trabalho de base (afinal, o campo digital está minado e tem um direcionamento contra as transformações que precisamos realizar). No primeiro, mesmo sabendo que nosso conteúdo não será entregue a todos que nos seguem, as entidades devem decidir politicamente ter uma verba mensal para impulsionar aqueles conteúdos mais relevantes (que mostram a opinião da entidade sobre um tema importante ou polêmico). Tem que ter pessoas para fazer a guerrilha diária e interagir com o seu público, e pessoas para pensar estrategicamente.

Para trabalhar a atenção, tem que pesquisar o que pode ajudar nessa tarefa de atrair pessoas para suas redes sociais. No livro “Contágio” o professor Jonah Berger, da Universidade de Wharton, na Pensilvânia (EUA), aponta seis elementos que tornam um conteúdo mais “contagioso” e compartilhável: 1) Moeda Social; 2) Gatilhos; 3) Emoção; 4) Público; 5) Valor Prático; e 6) Histórias.

MOEDA SOCIAL: oferecer algo que as pessoas queiram compartilhar, ou algo que faça elas se sentirem bem em relação às outras pessoas. Na política, por exemplo, os eleitores querem compartilhar aqueles conteúdos que refletem suas crenças e valores. Nós queremos ganhar, justamente, quem ainda não compartilha nossas crenças e valores. GATILHOS: todos os elementos de comunicação que nos fazem lembrar de um produto, marca ou pessoa. Um bom exemplo são os jingles musicais. Que gatilhos podemos linkar em cada conteúdo que produzimos? EMOÇÃO: a cola social que fortalece relações com o público. Nossas estratégias estão despertando emoções nas pessoas? PÚBLICO: psicólogos chamam de “validação social”. Pessoas procuram ver se outras também estão fazendo a mesma escolha, para escolher também. VALOR PRÁTICO: oferecer informações que possam ser repassadas e sejam úteis (vídeos com dicas que auxiliam em algo). Nossos conteúdos explicam como nosso público pode resolver determinado problema? HISTÓRIAS: associar a mensagem a uma narrativa (histórias com início, meio e fim).

Aqui, o desafio é investir no setor, com mais profissionais para que se possa ter pessoas preparadas para interagir e guerrear, e pessoas que pensem questões estratégicas. No segundo desafio, as organizações precisam trabalhar muito o presencial. É essencial resolver o problema da perda de representatividade das entidades populares junto à sociedade (as elites e os meios de comunicação sempre trabalharam para desqualificar e desacreditar tudo que é coletivo, especialmente de esquerda, como sindicatos e ONGs, afastando as pessoas).

É importante reverter a perda de liderança política de muitas lideranças junto aos públicos dessas organizações, o que exige mais trabalho de base (jornal e outros impressos não são mais para informar. São para manter as lideranças próximas, conversando de perto com as pessoas para convencê-las.

Todo mundo quer mais engajamento e likes dos seus públicos nos conteúdos nas redes. Mas, o melhor engajamento e o melhor like são as pessoas presentes nas ações e atividades que as entidades desenvolverem. O mais importante é fazer com que as pessoas compartilhem as nossas ideias, pois ajudam a transformar as suas vidas. O digital serve para auxiliar o real, acelerando informações importantes, combatendo fake news e ajudando a orientar e a organizar coletivos sociais.

COMUNICAR NO CURSO DOS ACONTECIMENTOS

Uma formulação importante foi desenvolvida pelos comunistas brasileiros: definir as ações observando o curso dos acontecimentos. Vale, também, para comunicar bem no curso da luta política. Nossos conteúdos de propaganda e palavras de ordem precisam estar vinculados aos fatos gerais mais importantes do momento. Após quatro anos de um desastre no País, o momento atual tem como grande movimento geral o governo Lula. A expectativa é de reconstrução da economia e das políticas destruídas na gestão anterior, visando retomar o crescimento e gerar empregos.

É importante construir um “caldo de cultura” no inconsciente e no consciente coletivos do povo de que o momento é de transformação, mesmo com traços de complexidade. Com isso, campanhas salariais de sindicatos, campanhas pontuais de entidades sociais e lutas gerais puxadas pelas centrais sindicais precisam vincular hashtags essenciais como #novobrasil e #reconstrução.

Tivemos três grandes momentos nesse semestre (os primeiros grandes atos sob o governo Lula). Na Bahia, cobri o 8 de Março e o Dia da Água. O primeiro tinha como slogan “Bicentenário da Independência – Mulheres insubmissas, protagonistas da democracia”. E o segundo era “XXIII Grito da Água – Água, saneamento, meio ambiente: direitos essenciais de toda nossa gente”. Teve o 1º de Maio Unificado das Centrais, com o tema “Emprego, renda, direitos, democracia”.

São palavras de ordem claras para dirigentes e militantes (já ganhos pra luta). Mas, poderiam se vincular com o principal fato político do momento: o início do governo Lula, que precisa ter apoio popular para engrenar as medidas importantes. Poderiam ser: “NOVO BRASIL. Com mulheres insubmissas e protagonistas da democracia”; “O NOVO BRASIL tem sede de água, saneamento e meio ambiente como direitos da nossa gente”; “NOVO BRASIL. Com emprego, renda, direitos e democracia”.

No  Congresso Nacional, o presidente e os parlamentares fazem o trabalho de conquistar apoio para aprovar as medidas importantes. Mas, junto à sociedade, somos nós que temos que conquistar a maioria para entender o momento e apoiar as medidas avançadas do novo governo.

ORA, BOLHAS

Hoje, quem atua em entidades que realizam luta dizem que é preciso falar para além da nossa própria bolha (grupo de pessoas unidas por interesses semelhantes e que, na maioria dos casos, excluem quem pensa diferente). Antes de atingir novos públicos, cabe perguntar: Como estamos falando (e agindo) com nossas próprias bolhas?

Os acontecimentos de 2013 e o golpe dado na presidenta Dilma Rousseff (PT), em 2016, abateram duramente as organizações do campo da esquerda. A porrada foi grande e gerou forte perda de representatividade das entidades e de liderança política dos dirigentes. Foram criminalizadas a política e as organizações coletivas, como partidos, sindicatos e ONGs. Isso afastou, ainda mais, as pessoas do nosso campo e das nossas ideias.

A comunicação pode ajudar a reverter esse quadro, mas é fundamental uma postura ativa e agressiva de entidades e dirigentes para fortalecer o estreitamento da relação com as bases. É aquela história: a comunicação jamais substituirá a ação política e organizativa para falar bem com nossas bolhas.

Furar bolhas e atingir outros segmentos sociais com a comunicação é importante. Mas, entidades que têm ligação com as massas precisam produzir ações que se relacionem com quem se quer atrair. Melhor do que só postar conteúdos sobre assuntos para atrair jovens, mulheres, negr@s, população LGBTQIAP+ de um setor, por exemplo, é falar para eles (e sobre eles) a partir de ações e atividades realizadas com eles, com temas que despertam o seus interesses.

Nesse ponto, entra a questão da linguagem. Dizem que temos que falar a linguagem dos públicos que queremos ganhar. Primeiro, o mais importante é entender que a comunicação parte do conteúdo (a mensagem). A forma, a arte e a estética que se usa em vídeos ou cards, cumprem o papel de chamar atenção do público para esse conteúdo. A melhor linguagem é a que é clara para a maioria da população (dirigentes, ativistas e militantes já estão ganhos). Evidente que ajuda muito incrementar títulos, textos e mensagens com expressões que determinado público usa, especialmente nas redes sociais (de boa, pega a visão, chipou, sextou, partiu, entre outras). Mas, o que tem que fixar na cabeça das pessoas é a mensagem principal que definimos passar ao produzir um conteúdo.

É O CACHORRO QUE BALANÇA O RABO

Essa tese foi apresentada pelo ex-presidente do PCdoB da Bahia, Péricles de Souza, durante uma reunião da direção estadual do partido. Alguém propôs algo que invertia a ordem lógica da hierarquia na luta política. Então, ele disse: “Mas, quem balança o rabo é o cachorro. Quando o rabo balançar o cachorro, tem algum problema”.

Faz todo sentido. Nas organizações políticas é a política que define a ação para todas as frentes de atuação. A comunicação ajuda a realizar e a materializar as decisões políticas definidas pelo comando. Se a política avalia mal cenários e formula mal as ações necessárias para reverter um problema, a comunicação vai refletir essa debilidade. Se avalia e formula bem, a comunicação vai ajudar a transformar.

A comunicação não pode substituir a política e a organização para direcionar as lutas. Aí, voltamos ao ponto da velocidade da internet e das redes X pensar estrategicamente. Para a comunicação realizar bem as decisões políticas, o comando nas entidades precisa ter agilidade para analisar os cenários e as definições de instâncias superiores (direções nacionais, centrais, confederações e federações, entre outras), para direcionar suas ações em suas áreas de atuação.

* Jornalista, publicitário, assessor de comunicação e ex-dirigente dos Comerciários de Salvador, PCdoB Bahia e PCdoB Salvador.

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