SEMINÁRIO DA CTB

Professor Richard Santos fala dos temas e convida dirigentes

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Nesta terça-feira (19), tem o seminário nacional da CTB na Bahia, para marca o Novembro Negro com um debate importante para o mundo do trabalho e o movimento sindical. Um dos palestrantes, o professor Richard Santos, da UFSB, que concedeu entrevista à CTB Bahia e reforçou o convite para os sindicalistas classistas participarem do evento.

Richard Santos é escritor e pesquisador; membro do GP Comunicação Antirracista e Pensamento Afrodiaspórico da Intercom Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação; Pós- Doutor em Cultura e Sociedade pela UFBA; Doutor em Ciências Sociais pela Universidade de Brasília (UnB); Mestre em Comunicação pela Universidade Católica de Brasília; e membro da Latin American Studies Association, LASA. Confira a entrevista:

CTB Bahia – Qual a importância do seminário em Salvador?

Richard Santos – Este ano, o Dia da Consciência Negra será ainda mais especial, pois comemoramos pela primeira vez a data como um feriado nacional. É uma conquista de grande importância, não apenas para o movimento negro, mas para toda a sociedade brasileira, pois nos dá um momento de pausa e reflexão sobre a luta histórica por equidade, contra o racismo e por justiça social, algo que falta a população base da pirâmide como um todo, mas, ainda mais especificamente ao grupo que chamo de Maioria Minorizada, conquanto formem maioria da população brasileira, formada por pretos e pardos, é minoria no acesso a educação, a saúde e aos direitos básicos. São vilipendiados de toda forma a uma participação social que lhes permitam sonhar e obter uma cidadania plena.

Neste sentido, precisamos reconhecer o trabalho diário da CTB-Bahia , que culmonou nesta atividade do Novembro negro. Tenho a oportunidade de participar desta programação marcante aqui em Salvador, e fico muito honrado em fazer parte dessa construção coletiva. Teremos o lançamento de livros, e seção de autógrafos, incluindo dois de minha autoria, “Maioria Minorizada – um dispositivo analítico de racialidade”, e também o “branquitude e Televisão”. São trabalhos que busca contribuir com a compreensão do racismo na sociedade brasileira, a invisibilidade de nossa gente nos mais variados espaços de poder, a formação do imaginário subalternizado, e seus impactos nas relações sociais e de trabalho.

Além disso, farei uma palestra com o tema “A Inserção do Negro no Mercado de Trabalho – entre o Imaginário e a Realidade”. Vou abordar questões fundamentais, como o abismo entre o discurso de inclusão e a prática cotidiana, bem como os desafios que enfrentamos para ocuparmos espaços de igualdade no mercado de trabalho que vai muito além da representatividade pura e simples. Tenho apontado, à partir de pesquisas que desenvolvo há anos, e também de experiências pessoais no mercado de trabalho, seja ele no campo público ou privado, que temos dois tipos de representações: as vazias, que só atingem a relação estética, mas são vazias de conteúdo e forma, e as representações programáticas, que agregam valor ao coletivo, a luta de classes e inserção de raça e gênero nos espaços de poder. As representações vazias hoje tem dominado o espectro público, vivo isso na Universidade federal do Sul da Bahia, onde sou servidor, mas também observo estas representações desprovidas de conteúdo, e se apoiando na estética nos mais variados espaços de disputa ideológica, principalmente na mídia. Daí a grandeza desta atividade de formação e compartilhamento de saberes promovida pela CTB.

É importante observarmos o porquê sempre que um governo neoliberal e/ou de direita acessa o poder, ele atua para a desconstrução da rede de luta dos trabalhadores, cujos sindicatos têm papel central: É por que o movimento sindical tem um papel crucial nessa luta. Os sindicatos são espaços de resistência e transformação social para a coletividade, e os dirigentes precisam estar na linha de frente do combate ao racismo. Refletir sobre a inserção da população negra no mercado de trabalho, por exemplo, é compreender que as desigualdades raciais são um reflexo direto das relações de exploração capitalista.

Por isso, convoco a todas as pessoas dirigentes sindicais e lideranças a se somarem a essa atividade. Este é o momento de fortalecermos nossa unidade na luta antirracista e reafirmarmos o compromisso com a igualdade de oportunidades para todos. Vamos juntos transformar o Dia da Consciência Negra em um marco de luta e protagonismo. Nosso encontro é no dia 19 de novembro, em Salvador! Será um espaço de reflexão, aprendizado e reafirmação do nosso compromisso por uma sociedade anticapitalista, mais justa e igualitária.

CTB Bahia – Quais os obstáculos atuais para população negra no mercado de trabalho?

Richard Santos – As dificuldades enfrentadas pela população negra no mercado de trabalho refletem profundas raízes históricas e estruturais que permanecem no Brasil. A alta taxa de desemprego, a informalidade predominante e a disparidade salarial entre negros e brancos revelam a continuidade de um modelo de exploração descrito por Clóvis Moura em Sociologia do Negro no Brasil. Moura destacou como o racismo opera como um mecanismo de controle social, relegando a população negra a funções subalternas e precarizadas, perpetuando a exclusão.

Essas dinâmicas também ecoam nas análises de Achille Mbembe em Brutalismo, onde ele explora a persistência de estruturas coloniais em economias contemporâneas. Para Mbembe, o neoliberalismo intensifica formas de brutalidade que atingem especialmente os corpos racializados, relegando-os à margem do sistema produtivo. Essa lógica se manifesta no Brasil pela concentração de negros em empregos informais e de baixa qualificação, enquanto acessos a posições de liderança e renda justa permanecem restritos, e muitas vezes quando este acesso acontece a pessoa negra, quando não organizada em partidos e organizações de luta, se submete e/ou segue as regras delineadas no que a profa. Maria Aparecida Bento definiu como o pacto da branquitude. E essa pessoa negra, assim como temos visto na nossa luta aqui na UFSB, não passa de uma gestora dos interesses da elite dominante, intelectual e financeiramente organizada para fazê-la única e simplesmente gestora dos seus interesses.

Assim, é necessário articular as lutas por direitos trabalhistas e igualdade racial, reconhecendo a centralidade do movimento negro e do pensamento crítico como instrumentos para superar essas barreiras históricas.

CTB Bahia – Que políticas o governo Lula implementou para ajudar a reverter esse problema?

Richard Santos – O governo Lula tem um histórico de implementações de diversas políticas de enfrentamento ao racismo, e promoção da inclusão da população negra no mercado de trabalho, destacando-se o relançamento e fortalecimento do Ministério da Igualdade Racial (MIR) e a introdução de programas e medidas de impacto intersetorial. Em que pese, sejam políticas que mereçam fortalecimento objetivo, campanha pública e fiscalização de seu emprego objetivo, são ações que merecem considerações e acompanhamento, cobrança de nossa parte, caso contrário, são lei “para inglês ver”.

Entre as iniciativas mais significativas está o Programa Federal de Ações Afirmativas (PFAA), que promove, monitora e avalia políticas voltadas para ampliar direitos e oportunidades para negros, quilombolas, indígenas e outros grupos vulneráveis. O programa adota princípios de interseccionalidade para garantir a participação e a transparência na implementação de ações afirmativas, além de atuar diretamente na redução das desigualdades no mercado de trabalho​
Adicionalmente, foi lançado o programa Aquilomba Brasil, focado no fortalecimento de territórios quilombolas, com medidas de inclusão produtiva, desenvolvimento sustentável e melhoria da infraestrutura, beneficiando cerca de 214 mil famílias quilombolas em todo o país​

O governo também sancionou a Lei 14.611/2023, conhecida como Lei da Igualdade Salarial, que combate disparidades remuneratórias com base em gênero e raça, fortalecendo a fiscalização e ampliando penalidades em casos de discriminação. Além disso, foram ampliados os programas de capacitação para jovens negros e a criação de grupos interministeriais para combater o racismo na comunicação e no setor público​

Estas ações ecoam análises de Clóvis Moura, Lélia Gonzalez, e Achille Mbembe, pois atacam as estruturas que historicamente relegam a população negra a papéis subalternos. Moura descreve o racismo como uma forma de manutenção do controle social no Brasil, enquanto Mbembe, em Brutalismo, aborda como as políticas neoliberais intensificam a precarização dos corpos racializados. Ao implementar medidas concretas de reparação e inclusão, o governo aponta um caminho para romper essa lógica histórica e estrutural.

CTB Bahia – Quais ações e políticas precisam ainda ser implementada

Richard Santos – Embora o Brasil tenha avançado em políticas de igualdade racial, ainda há um longo caminho para superar as desigualdades no mercado de trabalho e na sociedade como um todo. Uma das prioridades é a ampliação das políticas de ação afirmativa, como a obrigatoriedade de cotas raciais em mais setores, incluindo o mercado privado e concursos públicos regionais. Também seria necessário incentivar empresas a promoverem diversidade racial, especialmente em posições de liderança, por meio de incentivos fiscais ou programas de certificação.

A educação antirracista precisa ser fortalecida, com a plena aplicação da Lei nº 10.639/2003, que exige o ensino da história e cultura afro-brasileira nas escolas. É essencial capacitar professores para abordar a temática e monitorar a implementação efetiva nas redes de ensino. Paralelamente, seria importante investir em programas de capacitação profissional para jovens negros, direcionados a áreas de alta demanda, como tecnologia, ciência e inovação, para diminuir barreiras de entrada em setores tradicionalmente mais elitizados, é uma luta que tenho aqui na UFSB.

No mercado de trabalho, a fiscalização da Lei da Igualdade Salarial deve ser intensificada, garantindo que negros e negras recebam remunerações equivalentes aos brancos em funções similares. Além disso, é necessário garantir equidade nos processos de recrutamento e promoção dentro das empresas.

Outras ações prioritárias incluem o fortalecimento econômico de territórios quilombolas e das periferias urbanas, ampliando programas como o Aquilomba Brasil para incluir infraestrutura tecnológica, suporte a pequenos negócios e geração de renda sustentável à partir da economia solidária e tecnologias sociais. É igualmente urgente reforçar o combate ao racismo sistêmico nos meios de comunicação, por meio de um Plano Nacional de Comunicação Antirracista que desconstrua estereótipos e valorize a pluralidade racial.

Na segurança pública, a reforma das forças policiais é imprescindível, com programas de treinamento contra preconceitos raciais e mecanismos rigorosos de responsabilização por abusos e violência desproporcional contra a população negra. Finalmente, é crucial monitorar continuamente as políticas públicas de igualdade racial, criando observatórios independentes que avaliem impactos e sugiram ajustes para garantir resultados concretos. Aqui na UFSB a profa Maria do Carmo Rebouças está à frente da criação do Observatório do ODS 18, sou pesquisador deste observatório, ele poderia servir de referência para os demais em áreas distintas. Pois não adianta criarmos leis apenas na boa intenção, observar sua aplicabilidade e sugerir ações através de dados concretos é de fundamental importância para a real transformação social.

Enfim, essas ações são indispensáveis para enfrentar o racismo sistêmico e construir uma sociedade mais justa, alinhando-se à necessidade de reparação histórica e inclusão plena da população negra no desenvolvimento econômico e social do Brasil.

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